Panorama Carioca na Cidade das Artes

Hip hop, passinho e charme. Esses três “estilos” de danças urbanas foram a inspiração para os projetos apresentados durante o Panorama na Cidade das Artes. Foram convocados três coreógrafos para pensar em espetáculos que fossem baseados nessas danças. Mesmo que essas danças não compartilhem os mesmos signos, elas provêm de lugares semelhantes e muitos dos seus frequentadores acabam por permear o campo desses três movimentos. São danças associadas com a cultura Black e com questões sociais, principalmente o hip hop e a música derivada desse estilo: o rap.

 

O primeiro espetáculo apresentado foi do coreógrafo Renato Cruz, intitulado Sob Rodas. O espetáculo foi repensado para o espaço da Cidade das Artes e conseguiu ocupar o espaço de forma interessante. Enquanto os interpretes se movimentavam pelo espaço, o público os seguia avidamente à espera do que estava por vir. Sob Rodas utilizou o hip hop como sua inspiração, mas não se tornou um espetáculo de hip hop. O que vimos foi um pouco da história de seus interpretes. Cada um trazia elementos de sua vida ao espetáculo, conseguíamos perceber a identidade e realidade deles em seus movimentos e discurso. O espetáculo mostrou como a dança faz parte da identidade e da realidade de cada um que estava se apresentando e a importância da dança em seus cotidianos. Através das falas o que podíamos ir percebendo é que o espaço do hip o é aberto a diferentes gêneros, idades, escolaridades e não se prende ao eixo Rio – São Paulo. É um encontro de indivíduos diferentes que, juntos, participam de batalhas e disputas não só no campo da dança mas também na esfera social, seja por sua raça, gênero ou situação financeira. O espetáculo consegue traduzir a realidade dos b-boys e b-girls que estão no palco assim como qualquer outro b-boy ou b-girl no Brasil.

 

Na sequência fomos convidados a assistir ao espetáculo Suave de Alice Ripoll em um dos teatros da Cidade das Artes. Alice trabalhou com jovens que dançam o passinho, união de diferentes estilos de dança ao som do funk. O passinho não tem fórmula, é algo espontâneo que não se repete. Seus praticantes utilizam elementos do frevo, break, samba e até passos do Michael Jackson em suas coreografias, é uma união de informações que podem variar dependendo da história de vida de quem está dançando. Essas informações em abundancia, a constante ruptura do movimento e a eterna novidade são percebidos ao longo do espetáculo. A narrativa é formada de fragmentos, fragmentos que são costurados de forma que percebemos o que é a história do passinho. O espetáculo tenta quebrar a divisão entre palco e plateia ao se iniciar com seus intérpretes sentados na plateia. Ao longo do espetáculo eles retomam algumas vezes o lugar de audiência para logo subirem ao palco e performarem. Todavia é muito clara a separação dentre público e palco. O passinho é um show, quando estamos assistindo percebemos a potência dos dançarinos e vemos a distinção de quem está no palco e de quem apenas é espectador. Por ser fragmentado, é mais fácil distinguir e perceber os diferentes momentos de cada trecho. São momentos que se relacionam com a realidade dos participantes dos bailes funks e moradores de comunidades. Vemos o nascer da sexualidade no palco, assim como questões relativas à violência diária nas comunidades sofrida através de agentes do Estado ou do tráfico. Mas o que o espetáculo releva é a vontade que esses jovens têm de brilhar quando estão dançando o passinho. De certa forma não deixa de ser uma forma de escapar da dura realidade e buscar momentos de prazeres. A fragmentação prejudica um pouco o entendimento da linha narrativa do espetáculo, contudo é essa a fragmentação que representa o passinho, uma dança antropofágica, quase que um hipertexto da realidade desses meninos.

 

O último espetáculo apresentado foi Gueto (qual o ônibus que pego depois da rodoviária) de Sonia Destri Lie.  Utilizando o charme como ponto de partida, o espetáculo lembra um grande baile. Um baile que não se resume ao charme, é perceptível alguns elementos de bailes de rock dos anos 1960 e de swing. O espetáculo ocorreu no espaço externo da Cidade das Artes e, como encerramento do Festival, trouxe um grande clima de celebração e final de festa. Os elementos de festa estavam muito presentes no espetáculo, os interpretes se misturavam a plateia e retornavam a sua grande festa. Com sua linha curatorial sendo “A festa como ato político”, o encerramento ser um espetáculo que evocava a sensação de uma grande festa fez o festival fechar sua programação com concisão junto a seu pensamento deste ano.

 

Os três espetáculos mostrados na Cidade das Artes tentaram, cada um de sua maneira, mostrar um pouco de uma cultura não muito estudada dentro do campo da dança contemporânea – as danças urbanas. O casamento entre coreógrafos contemporâneos com bailarinos das danças urbanas se mostrou interessante e algo que ainda merece muito estudo e trabalhos.

 

por Julia Baker

Foto: © CLAP