Espetáculo da cia uruguaia Coletiva Periférico propõe ao público olhar inédito sob o tango e reafirma antigos laços com o Festival Panorama em solo francês
O único espetáculo não brasileiro a se apresentar no Panorama Pantin 2020, foi o Periférico: Proyecto Tango. Essa passagem da Coletiva Periférico, que nasceu no Uruguai, foi sem dúvida uma afirmação da parceria longeva com o festival. “Minha primeira vez no Festival Panorama foi em 2006, desde então estamos sempre numa bela dança juntos. Este espetáculo já tem dez anos e é fruto de uma pesquisa sobre papéis de gênero no tango, que é uma dança muito conhecida em todo o mundo, onde o homem conduz a mulher nos movimentos. A nossa proposta atual, e que levamos para a França, foi fazer a simbiose desses corpos, de maneira que não seja possível distinguir quem é o condutor na dança. Essa ideia ressignifica toda uma tradição onde os papéis já estavam definidos, explica a uruguaia Federica Folco, que vive e trabalha no bairro de Palermo, em Montevidéu.
Colocando sempre o coletivo no centro de seus projetos, a diretora e seus colaboradores seguem desenvolvendo dispositivos coreográficos que atuam como alavancas da ação social. Explorando a complexidade das relações humanas, eles buscam juntos criar as condições para o surgimento de um vínculo de solidariedade ou coexistência que se opõem ao individualismo dominante das sociedades contemporâneas. “Foi bastante diferente estar no Rio e estar em Paris, me sinto muito em casa no Brasil, esta energia caótica e encantada que experimentei todas as vezes que estive por lá, é única. Estávamos bem em Pantin, foi bonito, porém havia um clima muito estranho entre as pessoas, um clima de dispersão e tensão. Mas, foi de fato muito importante estarmos juntos num momento tão estranho e duvidoso para todos. Havia muita confusão emocional pela cidade. Por isso, o evento foi tão urgente e precioso. Parecia mesmo ser o último suspiro de uma vitalidade social que talvez não vamos ter mais”, ressalta Folco.
Dentro da programação batizada pela curadoria como “Eixo Passado”, o espetáculo traz em cena seis bailarinos que dançam o tango de maneira indiscutivelmente fluida, que fica impossível para o espectador não se envolver num jogo natural de desconstrução, que acaba nos levando para muito além da discussão dos papéis invertidos, como manda a tradição. “Atualmente convivemos bem com as críticas sobre essa desarrumação de papéis na dança. Mas, há dez anos, não éramos nem considerados. Diziam que o que fazíamos não era tango, por ter duas mulheres dançando em cena, ou dois homens, foi um caminho até aqui e atualmente aceitam e reconhecem nosso trabalho”, conta Federica, que ao se apropriar de formas de arte populares também implementa uma desconstrução radical das hegemonias que influenciam sua prática. É realmente mais uma questão de emancipação do inconsciente colonial, sexista, classista e racista para derrotar hierarquias do que visar o virtuosismo técnico da interpretação. Local privilegiado de expressão de desejo e sensualidade, o tango rompe particularmente com as representações heteronormativas transmitidas pela música, pelas palavras e pela dança, para produzir, nas proximidades dos corpos e de suas sinergias, novas subjetividades.
O espetáculo aconteceu nos dias 12 e 13 de março, embora estivesse programado mais uma apresentação, que infelizmente teve de ser cancelada por conta da pandemia que se instaurou na Europa em meados do mês de março. As apresentações em Paris contaram com Eduardo Ferrer, Aníbal Domínguez, Sofía Lans, Manuel Malán, Candela Zarauz, Andrea Ghuisolfi e teve também iluminação de Valentina Perez. Atualmente o grupo trabalha numa pesquisa para o próximo trabalho, que abrange cinco ritmos de danças como folclore, break e candombe, que dialogam com diversos tipos de comunidades especificas e muito complexas, e novamente irá abarcar os temas de raça e gênero.